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Sistemas de reconhecimento facial usados para identificar suspeitos na multidão geram debate

Especialistas questionam limites da busca pela segurança e o risco de violação de privacidade

As multidões já não são um lugar seguro para os fugitivos da lei. Na semana passada, um chinês de 31 anos acusado por crimes financeiros foi identificado ao entrar num estádio em Nanchang, no Sudeste do país, onde assistiria a um show do astro local Jacky Cheung.

Já na entrada, ao entregar o ingresso, câmeras de segurança instaladas para o evento captaram sua imagem e a transmitiram a um sistema de reconhecimento facial conectado a um banco de dados da polícia. Foi o que bastou para que o chinês, ao chegar a seu lugar marcado em meio a outros 60 mil espectadores, fosse abordado por autoridades e levado preso antes mesmo de a apresentação começar.

— O suspeito ficou completamente surpreso quando o levamos — contou o policial Li Jin à agência estatal de notícias Xinhua. — Ele não imaginava que a polícia pudesse pegá-lo em meio a uma multidão tão rápido.

De fato, em imagens da polícia exibidas pelo site de notícias Kan Kan, o homem aparece dizendo que, se soubesse que a segurança do evento usaria o sistema de reconhecimento facial, não teria ido ao show. Mas o uso cada vez mais frequente dessa tecnologia a torna quase inescapável: a China já tem cerca de 170 milhões de câmeras que auxiliam nesse tipo de operação, e estima-se que outras 400 milhões sejam instaladas por lá nos próximos três anos.

Embora a dimensão da vigilância no país impressione, ele não está sozinho no uso da tecnologia. Ontem, o governo de Cingapura anunciou que pretende colocar câmeras em mais de 100 mil postes para permitir a identificação do rosto das pessoas em todo o território.

DOIS PRESOS EM SHOPPING DO RIO

No Brasil, sistemas de reconhecimento facial já são usados tanto pelo setor público quanto no privado. Desde 2016, por exemplo, a Receita Federal opera a tecnologia em 14 aeroportos espalhados pelo país para ajudar a identificar possíveis suspeitos de tráfico e contrabando. Já o Norte Shopping, no Rio, foi o primeiro do país a adotar a ferramenta, com resultados positivos. Desde que foi implantado, em janeiro do ano passado, ao menos dois criminosos procurados foram identificados pelo sistema e presos pela polícia.

Matheus Torres, diretor executivo da Retina, empresa de monitoramento eletrônico que fornece a ferramenta britânica Facewatch para o shopping, explica que o sistema analisa imagens de câmeras de segurança convencionais e as compara com um banco de dados. Caso um suspeito seja detectado, um alerta é enviado em tempo real para a segurança do shopping, que decide como proceder. No caso de criminosos procurados, a polícia é alertada e executa a prisão do lado de fora do estabelecimento.

O banco de dados possui imagens públicas de criminosos procurados do Disque-Denúncia e da Interpol, além de fotografias incluídas pelos clientes. Torres explica que a imagem do rosto de cada pessoa é transformada numa linha de código única, com os dados biométricos, e então comparada com linhas de código do banco de dados. As fotos transitam pelo sistema apenas se houver identificação positiva — e, nesses casos, há sempre o risco de um “falso positivo”, já que, diz ele, “100% de precisão é impossível”.

Nos EUA, a tecnologia foi implantada recentemente nas áreas de decolagens internacionais de nove aeroportos, com um foco diferente: a imigração. Lá, o principal objetivo declarado pelas autoridades é identificar pessoas que tenham ultrapassado a permissão de permanência de seus vistos de forma a impedir seu eventual reingresso no país ou impedir fraudes. O temor é que os sistemas sejam usados para outras finalidades, como a montagem de perfis étnicos de viajantes considerados “perigosos”. Embora possa aumentar a segurança, a vigilância cada vez mais onipresente e precisa pode ferir a privacidade e o direito de ir e vir.

— Os governos têm a responsabilidade de dar segurança ao público, mas devem fazer isso de maneira que respeite os direitos das pessoas e sejam proporcionais às ameaças em vista — destaca Sophie Richardson, diretora para a China da ONG de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch. — Essa prisão em um show de rock é um grande exemplo disso. Em casos assim, as autoridades vão escanear os rostos de milhares e milhares de pessoas em busca de alguém. Acho que esse é um tipo de uso desproporcional da tecnologia. Muitas dessas pessoas não sabiam que seus rostos seriam escaneados e não tinham a capacidade ou o direito de optar por não ser alvo desse tipo de vigilância.

Para Sophie, embora a questão seja ainda mais “problemática” na China, já que o país “não têm efetivos direitos à privacidade”, já há casos documentados similares em outros lugares:

— O que temos visto nos últimos anos é o crescente uso de diferentes tipos de tecnologias para expandir radicalmente os tipos de informações sobre as pessoas que as autoridades coletam sem deixar claro como vão usá-las.

No caso do sistema utilizado no Norte Shopping, Matheus Torres, da Retina, garante que os frequentadores não precisam se preocupar:

— Nós não trabalhamos com as fotos, trabalhamos com números. Se as linhas de código não baterem com o banco de dados, as imagens são descartadas imediatamente.

Um dos maiores problemas no Brasil é justamente a falta de uma cultura de proteção de dados, aponta Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio). Segundo ele, a discussão é em que ponto a segurança deve prevalecer sobre a privacidade:

— A ideia de câmeras para a segurança pública está ligada a uma coleta de dados por parte do estado. Quando falamos de uma câmera de vigilância em um espaço privado, como um shopping, quem está coletando esse dado é um ente particular. Mas em que medida as pessoas que passam por ali autorizaram que esses dados sejam coletados? Se há algo que justifique a gravação dos dados, é preciso questionar por quanto tempo ela vai ser mantida, com que segurança e o que pode ser feito com ela. Por exemplo, à medida que eu tenho essa gravação, posso fazer o mapeamento do trajeto da pessoa, ver que lojas ela frequentou, e aí eu tenho uma inserção na vida privada dessa pessoa que pode ser danosa.

Fonte: https://glo.bo/2UhYVUl

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