Enquanto os eleitores brasileiros decidem o futuro do país depositando seus votos em urnas eletrônicas, como vai ocorrer neste domingo (28), vários lugares do mundo adotam outras formas tecnológicas bastante diferentes para escolher seus representantes — desculpe, mas nenhuma delas envolve imprimir o voto.
Vindos de países tão diversos como Estônia, Colômbia, Estados Unidos e Dinamarca, esses métodos vão de voto enviado pela internet até votação usando aplicativo para celular blockchain, a tecnologia por trás da moeda virtual bitcoin.
A implantação dessas diferentes abordagens tecnológicas divide analistas. Para defensores, elas têm o poder de minimizar as suspeitas de fraude, já que a apuração poderia ocorrer em tempo real e seria possível conferir se um voto foi colocado, de fato, na conta de um candidato. Para críticos, votar pela internet não acaba com os problemas existentes e a transparência pode ser usada para coagir eleitores a apoiar um determinado candidato.
Votação online mais antiga do mundo
O mais antigo sistema eleitoral a usar algum tipo de votação pela internet é o da Estônia. Um dos países mais conectados do mundo, a ex república soviética é exemplo em governo eletrônico, ou seja, muitas das interações entre o cidadão e a esfera pública são feitas sem sair de casa, por meio do celular.
O sistema de votação eletrônica criado em 2005 foi o primeiro do mundo a ser usado em eleições parlamentares, o que ocorreu dois anos mais tarde. Desde então, 30% dos estonianos preferem votar dessa forma.
Chamado de i-Voting, o sistema funciona assim: durante o período eleitoral, o cidadão se conecta à plataforma eleitoral usando sua identidade digital, uma espécie de RG digital que confere um código único; quando o voto chega à Comissão Nacional Eleitoral, a identidade do votante é removida para garantir que o apoio a um candidato seja anônimo.
Prevendo que o voto remoto pode estar sujeito à pressão externa, a Estônia criou uma forma de contornar coações: cada eleitor pode votar quantas vezes quiser. Só que cada novo voto anula o anterior, de forma que permanece a lógica de um voto por cabeça.
Experiência norte-americana
Já a blockchain passou a ser empregada no registro de votos mais recentemente. O primeiro caso foi o do estado norte-americano de West Virgínia. Em maio deste ano, o governo estadual testou um sistema para militares em missões no exterior votarem nas primárias eleitorais.
Os interessados se cadastraram junto ao sistema eleitoral do estado, que enviou credenciais de acesso. Com elas e usando dados biométricos, votaram usando um aplicativo para celular. O governo de West Virginia pretende agora usar esse mesmo sistema durante as chamadas eleições de meio de mandato, que ocorrerão em novembro e renovarão parte das cadeiras de deputados e senados do Congresso dos EUA.
Apesar de também ser feita pela internet, a votação usando blockchain (inglês para “corrente de blocos”) funciona de forma diferente. Cada voto é incluído em um pacote de dados criptografados. Esses pacotinhos são emparelhados em uma grande “corrente de blocos”.
Apuração ao vivo, ‘quem ganhou meu voto?’…
A blockchain, criada junto com o bitcoin, funciona como um grande e seguro livro contábil com cópias por várias bibliotecas – para evitar que o sistema seja tirado do ar, há várias cópias dele espalhadas pela internet. Como os dados que compõem esse livro estão bastante embaralhados, tentar alterá-los é uma tarefa árdua.
Além disso, fazer isso corromperia a corrente inteira, já que cada elo está intrinsecamente ligado ao outro.
O processo também é transparente, porque os elos dessa corrente podem ser checados por qualquer um e à medida que são incorporados. Também é anônimo, já que você não vê o nome de quem deu determinado voto, mas, sim, o código usado por aquela pessoa.
Para Tatiana Trícia de Paiva Revoredo, especialista em blockchain, isso traz as seguintes vantagens:
- Você pode checar se seu voto foi, de fato, computado para determinado candidato: responde à pergunta: “meu voto foi mesmo para o meu candidato?”
- apuração em tempo real, ou seja, o resultado vai sendo mostrado à medida que os votos vão saindo dos celulares.
Antes de West Virginia, a blockchain foi usada em outras votações. A Dinamarca fez um teste no ano passado: enquanto a eleição ocorria da forma tradicional, os eleitores podiam também votar pela “corrente de blocos”.
Já na Colômbia, o sistema foi usado no plebiscito para selar a paz com as Forças Armadas Revolucionárias (Farc). A ação foi voltada aos colombianos que estavam fora do país.
Quem defende x quem é contra
Para Revoredo, sistemas eleitorais que se apoiem na internet e garantam transparência da apuração e identidade anônima dos eleitores é o futuro.
“Uma das coisas mais fantástica da blockchain é que você evita a fraude, pois coloca a possibilidade de transacionar nas mãos do cidadão.”
Nem todos os entendidos nessa tecnologia, porém, são entusiasta de sua aplicação para registrar e apurar votos.
“O problema aqui não é que a blockchain é ruim, é que qualquer coisa que você possa querer ao usar blockchain em eleições civis traz novas vulnerabilidades que não existiam antes e é mais fácil, simples e seguro de fazer com outras abordagens”, afirma Matt Blaze, pesquisador de segurança da Universidade da Pensilvânia.
Com 25 anos de pesquisa em como usar criptografia para levar maior segurança a sistemas conectados indispensáveis para a sociedade, ele é um dos críticos das inovações promovidas em West Virginia.
“Parem essa besteira. Eleições importam muito. Os requerimentos para elas evoluíram durante séculos de democracia. A votação não é uma zona livre para testes de uma ideiazinha inteligente de startup”
E no Brasil? Funcionaria?
Ainda que defenda a tecnologia, Revoredo enxerga alguns entraves para que seja implantada no Brasil:
- falta de maturidade: a tecnologia precisa ser melhor desenvolvida antes de ser aplicada na votação;
- acesso a banda larga ainda não é universal e as pessoas ainda têm dificuldade de lidar com processos digitais;
- barreiras regulamentares com relação a proteção de dados: como a blockchain é global e não ficaria necessariamente só no Brasil, a legislação poderia ser um entrave;
- resistência de líderes políticos e do sistema público.
Tirar a votação de um ambiente controlado e levá-la para a casa do eleitor, por exemplo, cria calafrios em autoridades eleitorais. Algumas características do sistema eleitoral brasileiro foram criadas para evitar que a figura do voto de cabresto, comum na República Velha (1889-1930), ganhe uma edição 2.0.
Naquela época, líderes regionais controlavam, entre outras coisas, como votavam uma determinada população local. Para Revoredo, a tecnologia pode apaziguar muitos das discussões que temos atualmente. E, caso surjam outros problemas, talvez não sejam culpa da tecnologia.
Com relação ao coronelismo, eu te respondo com outra pergunta: todo mundo aqui tem conta em banco. Quando você vai lá e saca dinheiro, pode vir um ladrão na porta e te roubar? Pode. Mas é por isso que você vai dizer que o banco não é útil?
Revoredo
Fonte: http://bit.ly/2z5Vjfx – Editado