Dispositivo criado com apoio da Fapesp pode se tornar obrigatório na Argentina
SÃO CARLOS (SP) | AGÊNCIA FAPESP
Um sensor desenvolvido por pesquisadores do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) pode ajudar a evitar casos de intoxicação por monóxido de carbono (CO), possível causa das mortes de seis turistas brasileiros ocorridas no Chile, neste mês.
O acidente é comum em vários países em que se utiliza aquecimento a gás, incluindo o Brasil. Na Argentina, por exemplo, são registradas 250 mortes e 2.000 casos de intoxicação pelo gás tóxico todos os anos.
O dispositivo foi apresentado no dia 24 de maio durante o Simpósio de Pesquisa e Inovação em Materiais Funcionais, promovido na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) pelo CDMF – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela Fapesp.
Nas próximas semanas, o Congresso Nacional da Argentina vai votar um projeto de lei que torna obrigatória no país a inclusão do sensor em todos os aparelhos a gás para uso domiciliar. Em carta enviada na semana passada a Marco Antonio Zago, presidente da Fapesp, os deputados argentinos Eduardo Bucca e Fernanda Raverta, autores da norma, enfatizaram a importância do projeto no combate a intoxicações por CO e agradeceram o apoio da Fapesp.
“O sensor pode ajudar a evitar mortes por inalação de monóxido de carbono tanto nos países vizinhos como no Brasil, onde esse tipo de acidente é registrado principalmente na região Sul e, mais recentemente, no Nordeste, devido ao uso de aquecimento a gás”, disse Elson Longo, diretor do CDMF e um dos autores do dispositivo, à Agência Fapesp. O projeto tem a participação de pesquisadores da UFSCar e das universidades Estadual Paulista (Unesp), campus de Guaratinguetá, de Mar del Plata, da Argentina, Jaime I, da Espanha, e de Ferrara, da Itália.
O dispositivo consiste em um circuito integrado, do tamanho de um chip, com um sensor eletrônico de CO e outro de metano, já desenvolvidos e patenteados pelos pesquisadores.
Os sensores são compostos por óxidos semicondutores, como de cério, em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro). Em contato com o CO e outros gases, esses óxidos apresentam uma mudança de resistência, que é processada e interpretada pelo circuito eletrônico como um sinal para interromper o fluxo de gás no equipamento em que o sistema está instalado, como um aquecedor de água.
“O monóxido de carbono é produzido pela combustão incompleta do gás natural pela falta de oxigênio no ambiente. Por isso, ao detectar a presença de CO acima do limite de segurança, o sensor corta o fluxo de gás natural para o queimador”, explicou Miguel Adolfo Ponce, professor da Universidade de Mar del Plata e um dos idealizadores do projeto.
De acordo com o pesquisador, a exposição a uma concentração de 0,02 partes por milhão (ppm) de CO não causa efeitos nocivos à saúde. Acima desse nível começa a causar sintomas perceptíveis, como sonolência e dor de cabeça. A exposição a 1.400 ppm de CO por uma hora é capaz de levar à morte.
Alguns fatores dificultam a detecção de CO no ambiente. O gás é incolor, insípido, inodoro e não irrita as mucosas. A única forma de percebê-lo é pela coloração da chama do queimador — se ela não estiver azulada, característica da combustão completa do gás natural pela quantidade correta de oxigênio, pode ser um indício de emissão de CO, afirmou Ponce.
Os aparelhos a gás responsáveis pela maior quantidade de acidentes domésticos por inalação de CO são os aquecedores de água para banho, causadores de 87% dos acidentes, seguidos pelos calefatores (8%) e fogões (5%), disse o pesquisador.
“O sistema que desenvolvemos pode ser facilmente instalado nesses equipamentos de combustão de gases tanto residenciais como comerciais”, afirmou Ponce.
O dispositivo já gerou duas patentes e despertou o interesse de uma empresa argentina e outra brasileira, dispostas a fabricá-lo em conjunto.
Com base nessa tecnologia, os pesquisadores desenvolveram outro tipo de sensor que pode ser acoplado a um smartphone e é capaz de detectar e indicar a presença de CO não só pela mudança da resistência elétrica, mas também pela cor, e indicar o perigo por meio de um aplicativo.
“Esse sistema de monitoramento pode ser usado em minas, onde também são registradas mortes por intoxicação por monóxido de carbono”, disse Longo.
Fonte: Folha de São Paulo, http://bit.ly/2Kdn65c